terça-feira, 8 de julho de 2008

Cinco brasileiras em Gorée, no Senegal




Parte II - Primeira semana de atividades do YOWLI 2008: proposição dos temas e conflitos de perspectivas

Por Liliane Braga

A primeira explanação do II Programa de Treinamento do YOWLI 2008 foi feita pela Madame Yassine Fall, diretora da UNIFEM em Nova York e presidente da ONG Awomi. A criadora do programa YOWLI tratou de assuntos relativos ao mês que passaremos reunidas na ilha. “Cria” de uma escola com proposta pedagógica semelhante, Madame Yassine, de 56 anos, encampou como causa a luta pela manutenção das atividades do colégio que está ameaçado de fechar as portas por falta de investimento governamental.
Na primeira semana de atividades, foram iniciados três módulos do curso. A ganense Naana Otoo-Oyortey introduziu o assunto do módulo coordenado por ela, “Saúde reprodutiva e direitos”. Naana vive em Londres, onde dirige a “Forward[1]”, um centro de pesquisas, recursos e publicações voltados ao tema da “mutilação feminina digital”, ou “FGM”, a sigla para “female genital mutilation”. Naana, uma mulher agradavelmente risonha, fundou a organização há 25 anos. Hameda Deedat, sul-africana, apresentou às Yowlees o módulo “Direitos econômicos e sociais e acesso a serviços”. Há oito anos Hameeda trabalha sobre a questão da água, mais especificamente com regulamentação de serviços e recursos. Entre as organizações para as quais trabalha estão a Eco-Thrust e a South African H2O Caucus. Esta última, formada por um grupo de pessoas que agrega pesquisadores e sociedade civil. Hameeda veio para o curso trazendo o seu filho Mohamed, de 10 meses, que se tornou “sobrinho” das Yowlees, voluntárias em ajudar Hameeda nos momentos em que ministra o curso ou no momento de subir e descer o carrinho do bebê pelos largos degraus das escadas que levam aos dormitórios da Escola Mariama Ba, onde ela também está hospedada. Hameeda também trabalha com comércio e gênero.
A primeira atividade de Naana procurou avaliar como as pessoas vêem a questão de gênero e violência, como essas duas questões estão interligadas nos diferentes países presentes e como reagimos a essas questões. Por meio de um “jogo” coletivo de pergunta e resposta, foi possível saber a opinião das pessoas do grupo relacionadas à casamento e virgindade e agressão contra mulher, entre outros temas. Um rapaz nigeriano fez uma analogia que provocou imediata reação de vaias e risos por parte das pessoas presentes, reação que também foi parte do debate – uma mostra de que a diferença de opiniões não é impedimento ao diálogo. Ele comparou o casamento com uma mulher não virgem a comer uma laranja que já estaria “com a metade chupada”. Direitos da mulher e sexualidade foi o ponto abordado com essa fala. Pelo depoimento de Yaga, a artista plástica de Gana que usa arte para discutir temas sociais, pudemos saber que, em seu país, o marido pode legalmente bater na esposa desde que ela não seja hospitalizada por mais de 27 dias em função da agressão. Neste caso, ele é penalizado por lei. A partir das opiniões manifestadas no grupo, foram abertas discussões sobre pontos-de-vistas culturais e ou religiosos (o Islã é a religião mais difundida no Oeste africano) e direitos humanos.
Yassine Fall deu início ao seu módulo, que trata das dimensões de gênero nas reformas e políticas macroeconômicas, apresentando conceitos importante. Globalização, instituições financeiras e acordos econômicos internacionais foram alguns dos itens tratados.
Na participação das jovens selecionadas para o curso, a diversidade de pontos-de-vista e de informações é um desafio no que diz respeito ao conteúdo programado a ser desenvolvido. As intervenções são em grande número (e mais presentes do que perguntas e questionamentos) e elas dizem respeito principalmente ao que se passa nos diferentes países, nos diferentes grupos étnicos, entre praticantes de religiões cristã e do Islã.
Para uma análise sócio-econômica dos impactos da globalização que nos permitisse ver de perto um exemplo da relação homem/mulher no mercado de trabalho informal senegalês, fizemos uma visita ao “Pink Lake” (lago rosa), onde os homens vão para dentro do lago extrair o sal: 8 mil CFA, ou francos[2], é o que o homem ganha por um barco carregado de sal[3]; a mulher ganha 1000 CFAs ao completar 50 viagens carregando 30 kg de sal em cada uma delas, em bacias sustentadas na cabeça.
No âmbito cultural, no entanto, masculino e feminino demonstram estar em complementaridade. No domingo, estivemos presentes a uma apresentação de Sabar[4], um tambor senegalês tocado com uma mão e uma vara e que dá nome ao estilo musical tocado com esse tambor. Cinco percussionistas apresentaram variações rítmicas feitas com o Sabar e nossas colegas Yowlees de países do oeste, do sul e do centro do continenete africano nos mostraram um pouco dessa relação corporal-musical. Todas foram convidadas a experienciar esse momento e as brasileiras, obviamente, também fizeram com que senegalesas, burkinenses, moçambicanas e guineenses “caíssem no samba” ao som dos tambores Sabar.
Cores, pimentas e tambores inspiradores de batidas musicais universais. As impressões dos primeiros dias em Gorée integram o sentimento de brasilidade... As culturas africanas que foram inferiorizadas por europeus e seus descendentes e que civilizaram países em outros continentes – como Suriname, Trinidad e Brasil, agora reunidos em Gorée – são parte integrante desse aprendizado proposto pelo programa YOWLI e estão cotidianamente presentes no corpo-a-corpo entre África e diáspora iniciado nesta semana.

[1]“The Foundation for Women’s Health, Research and Development” ( http://www.forwarduk.org.uk)
[2] CFA é a sigla para “Communatuté Financière d’Afrique”, ou Comunidade Financeira da África. A moeda é a mesma para os oitos países do oeste africano, que incluem ainda Burkina Faso, Guiné Bissau, Benin, Costa do Marfim, Mali, Niger, Senegal e Togo.
[3] No período em que chegamos em Dakar, era possível trocar um dólar por 400 CFAs e um euro por 650 CFAs.
[4] No link http://www.youtube.com/watch?v=mrSEWmcSiFY é possível assistir ao vídeo de uma apresentação de Sabar.

Um comentário:

berta disse...

Meninas, isso é sabedoria. Sim porque uma coisa é estar presente, vivendo emoções,trocando conhecimentos e experiencias, outra coisa é saber relatar td isso e poder passar com toda transparencia...meus elogios, a equipe está sendo bem acompanhada por aqui a cada relatório que expressa no fundo esses momentos único no Senegal. Meus parabéns á todas e se possível discoram tudo que for acessível e interessante pra nosso grupo aqui no Brasil.
um grande beijo e abraço forte á todas e confiem que estão se saíndo bem!